Opinião
A história do futuro da Rússia
A visão estratégica nunca foi uma qualidade da Rússia, e certamente estava ausente em 2012. Para os seus líderes, o vasto território do país parece sempre camuflar a necessidade de planear o futuro, enquanto a sua oferta aparentemente ilimitada de recursos naturais convence-os de que a Rússia pode lidar com qualquer contingência.
Como resultado, a Rússia está perpetuamente mal preparada para o futuro. Na verdade, tal como os seus líderes não se prepararam para a queda do comunismo, o abrandamento da economia russa mostra que eles estão mal "equipados" para as próximas décadas, que serão caracterizadas pela escassez de recursos, uma população envelhecida, e um território que vai perdendo dimensão.
O retorno de Vladimir Putin à presidência, este ano, marcou uma nova baixa da visão estratégica russa. Afinal, o passado é o único futuro que Putin sempre quis para o país.
Quando a União Soviética colapsou, o Kremlin perdeu não só o controlo de vastas áreas do território, mas também metade dos cerca de 300 milhões de pessoas da URSS. Desde então, a população caiu em mais milhões, devido à elevada taxa de mortalidade da Rússia, especialmente entre os homens. No mesmo período, a população dos Estados Unidos cresceu de 248 milhões para mais de 300 milhões.
Apesar dos apelos por parte do público russo para a reforma – desde a modernização das instituições militares e legais, decrépitas e corruptas, à diversificação da economia para além de extracção dos recursos naturais e do complexo militar e industrial - Putin está preso às suas armas autocráticas.
Quando o ministro da Defesa, Anatoly Serdyukov, tentou reformar as forças armadas da Rússia - através da formação dos militares com técnicas modernas de defesa, redução dos custos e aumento da eficiência - foi substituído por Sergei Shoigu, ex-governador de Moscovo e um obstinado seguidor de Putin, que restaurou a sistema ultrapassado. Até mesmo os novos uniformes do exército, que beiram o cómico com as suas dragonas do século XVIII e jaquetas da Segunda Guerra Mundial, invocam o passado, em vez de proporcionar o conforto e eficiência necessários na guerra moderna.
Mais preocupante ainda, num movimento que faz lembrar Stalin, Putin deu início a uma nova lei anti-extremismo, segundo a qual ninguém pode ser acusado de terrorismo, espionagem ou de incitação ao ódio. A lei tem provado ser uma ferramenta poderosa para sufocar a dissidência, que pode incluir protestos em massa contra a fraude eleitoral, jornalistas que trabalham para expor a corrupção, ou um bibliotecário na Sibéria a cumprir a solicitação de um livro proibido.
Da mesma forma, a política externa de Putin continua mergulhada em velhas obsessões russas, a começar pela restauração do império de qualquer forma possível. No esforço de provar que a perda do status imperial não diminuiu o papel global da Rússia, Putin interferiu incansavelmente nas decisões internacionais, opondo sanções contra o Irão e apoiando o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, mesmo ele matando os seus próprios cidadãos.
Além disso, apesar de a Rússia ter finalmente ingressado na Organização Mundial do Comércio, as dúvidas sobre a protecção dos direitos humanos no país persistem. Em 2009, por exemplo, Sergei Magnitsky, um advogado, foi acusado de fraude depois de descobrir um esquema fiscal fraudulento executado por funcionários russos. Morreu na prisão depois de ter sido espancado e de lhe terem negado tratamento médico.
Em resposta, o Congresso dos Estados Unidos promulgou uma legislação com o nome do advogado, a "Sergei Magnitsky Rule of Law Accountability Act", que proíbe qualquer pessoa implicada na detenção ou morte de Magnitsky - ou outros suspeitos de graves violações dos direitos humanos - de entrar nos Estados Unidos ou usar o seu sistema bancário. Leis semelhantes foram adoptadas no Canadá e na Europa Ocidental. Mas, em vez de admitir o crime e trabalhar no sentido de levar os criminosos à justiça, os líderes russos retaliaram, declarando que certos europeus e norte-americanos também estão proibidos de visitar a Rússia.
A relutância de Putin em ouvir o descontentamento popular, e a sua incapacidade de desenvolver relações com o Ocidente durante os seus 12 anos no poder, deixou-o isolado - e está a ficar sem ideias. Na sua mais recente tentativa de restaurar o império da Rússia, Putin anunciou a criação da União Económica da Eurásia, com a Bielorrússia e o Cazaquistão. (Putin está a cortejar as outras ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, bem como a Ucrânia e a Geórgia).
Mas, mesmo aqui, o presidente está a fazer "bullying" com os próprios líderes que ele procura conquistar. Tendo em conta que a participação da Ucrânia iria melhorar significativamente a legitimidade da União, a Rússia está a utilizar todas as tácticas disponíveis – desde uma baixa de preços do gás a sanções comerciais - para convencer os seus líderes a participar. Mas o presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, não quer fazer parte disso.
Os esforços de Putin para unificar os ex-estados soviéticos não são a única iniciativa que exemplifica a sua visão imperfeita. Com o objectivo de agradar aos líderes das economias de rápido crescimento da Ásia Oriental - que Putin considera o factor mais importante para o sucesso da Rússia a longo prazo - o governo gastou milhares de milhões de dólares este ano para modernizar o porto de Vladivostok. Contudo, dado que os líderes asiáticos vêem a Rússia como pouco mais do que uma vaca leiteira de recursos naturais, não é muito evidente que o investimento vá valer a pena, já que não existe um plano de desenvolvimento económico abrangente para a região.
Putin espera que as políticas duras, no seu país e no exterior, lhe vão permitir manter o estrangulamento na Rússia. Mas elas têm assegurado apenas o declínio do país. Em 2013 a Rússia regressa à roda de hamster da história, tratando o passado como prólogo - e, assim, desperdiçando os seus recursos e arruinando as vidas dos seus habitantes.
Tradução: Rita Faria